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... fazemos uma espécie de caldeirada.
Por mais contas que façamos sobra-nos sempre qualquer coisinha. Esta semana não foi excepção e demos por nós com excesso de tomates. Maduros, ainda por cima.
As sobras são divididas ao fim da semana por todos os elementos da equipa. Quanto aos tomates... Uns lavam, escaldam, pelam e congelam (para aproveitar para os cozinhados de última hora), outros fazem compotas (as melhores são com tomates de sequeiro, aqueles que hão-de vir lá para meados de Junho!) e há ainda quem não resista a uma caldeirada - ou alguma coisa que se pareça com isso:
1 kg de lulas (podem ser congeladas)
3 tomates médios maduros (não importa a variedade desde que sejam bons tomates)
2 cebolas médias
1 kg de batatas para cozer
1 fio de azeite
1 pingo de picante
1 copo de vinho branco
1 ramo de salsa
1 folha de louro
sal e pimenta
Descascam-se as cebolas e cortam-se às rodelas. Lavam-se os tomates e cortam-se grosseiramente. Refoga-se a cebola, juntando a folha de louro, em azeite. Quando a cebola estiver a querer mudar de cor juntam-se os tomates. Deixa-se que tomem gosto, tira-se-lhes a sede com vinho branco e juntam-se as lulas. Baixa-se o lume e lá estão elas durante 15 minutos, até que se juntam as batatas para cozer no caldo. Tempera-se com sal, pimenta e picante e daí a quinze minutos está tudo pronto. A salsa junta-se no fim, lavadinha e picadinha.
Quase que podemos dizer que este ano temos a plantação de cebolas mais espectacular de todos os tempos: foi plantar e deixá-las crescer. Com vista para o Atlântico. À beira de um pinhal. Com uma rega aqui e acolá.
Estávamos há umas semanas à espera disto. E andávamos desertos de começar esta colheita em particular. A expectativa era alta. E no campo é assim: planta-se num mês para ver resultados meses depois. Há que ter paciência.
Quando o Daniel nos chegou com aquele bigodinho a parecer as ondas da Nazaré quando está alerta amarelo - estava a rir-se, ora pois - e faz uma barulheira a pousar a caixa dizendo "Eh pessoal! Já temos cebolas!" sabemos que são cebolas espectaculares. Isto porque o grau de exigência do Daniel é elevado. Quem o conhece sabe que sim. Que é.
Para termos estas cebolas demos o litro. Foram primeiro semeadas e só depois passaram do viveiro para o chão. Mas a sementeira também pode ser directa, depende do chão onde se quer que elas se criem, depende do tempo, depende da variedade. Da sementeira à plantação podem passar dois ou três meses. Quem gostar de ver trabalho a aparecer feito não deve, portanto, semear cebolas. Nem plantar. É que depois disto podem passar mais quatro mesinhos até andarmos em rancho, de rabo para o ar, a colhê-las.
A melhor maneira de acondicionar as cebolas em casa é num sítio seco e arejado, preferencialmente num cestinho de madeira ou verga, uma caixa de papelão. Isto por se tratarem de materiais que “respiram” e “deixam respirar”. Quando se recebe o melhor cabaz do mundo - um cabaz da Dona Horta - deve sempre retirá-las do saquinho e guardá-las bem longe das batatas – elas odeiam-se! (Estamos a falar a sério).
As cebolas novas não são as nossas preferidas para guardar – até evitamos fazê-lo pois perdem qualidade. Estas cebolas são as melhores – mesmo! - para as saladas e para as tartes, sempre cruas. E a rama fresca até pode ser aproveitada para sopa, para arroz, para guisados e quiches, sem desperdiçar nadinha. Só podiam ser da Dona Horta, não é verdade?
Damos as boas vindas à Primavera com um solinho bom, por estas encostas fora e por aí adiante até à serra. Começam a aparecer as primeiras flores, os primeiros passarinhos. E que bom que é ouvi-los. Isso e ver os cordeirinhos aos pulos, uns atrás dos outros, em engraçadas brincadeiras para cima e para baixo...
A Celeste começou cedo e começou bem. Começou a trabalhar precocemente – naquela altura era assim – a pintar loiça numa fábrica do Concelho de Alcobaça.
Casou, teve filhos, e no meio dessa odisseia que é criá-los, decidiu abraçar a agricultura como modo de vida para ajudar o Sr. seu esposo (que dá pelo nome de Daniel e é um dos nossos queridos produtores). Ele comandava as lides no campo. Ela comandava as lides nos mercados.
Passou pelo Mercado de Alcobaça, mais tarde pelo Mercado de Vila Franca de Xira e, posteriormente, pelo Mercado da Castanheira do Ribatejo.
Acreditou na Dona Horta desde o início (mesmo quando tudo ainda não passava do papel) e fez com que ela de lá saísse.
A Celeste acompanha de forma saudável e pro-ativa o desenvolvimento da Dona Horta e não há cliente ou produtor que não saiba quem ela é. Ela quer estar lá, ver como está a ser feito, quer saber tudo. Não se deixa abater com pouco e tem sempre um provérbio cómico para dizer quando alguma coisa corre menos bem. E menos mal! Esta força da Natureza surpreende-nos com o seu empenho em querer que tudo dê certo. E, mais tarde ou mais cedo, com muita fé, trabalho e perseverança, acaba sempre por dar.
Adora tricotar (principalmente roupinhas para a sua netinha) e sempre teve animais de estimação por perto – mais recentemente um gato mafarrico que lhe corta as linhas quando ela não lhe dá colo. Gosta muito de decoração de interiores e é fã do Pinterest. Faz uma alimentação super saudável há, pelo menos, dezoito anos. No dia em que ela não souber se um legume é bom ou não apostamos que mais ninguém sabe. Não dispensa kiwis à sobremesa e os brócolos são a sua mais verde perdição.
O António é um dos nossos produtores mais queridos. Seja por ser de um espírito de entre-ajuda incrível seja para provar as frutinhas dos outros produtores e dar o seu aval, o António é um bom garfo.
Garfo que se preze também cozinha e o António cozinha bem. Fã de grelos de nabo, partilhou uma receita deles guisadinhos que pode muito bem ser feita com grelos de couve. Ora cá vai.
1 molho de grelos lavados e migados
1 cebola descascada e picada
3 dentes de alho descascados e picados
1 molhinho de salsa picadinha
1 folha de louro lavada
1 copo de vinho branco
1 chávena de arroz
2 chávenas de água quente
azeite e sal qb
Num tacho coloca-se azeite até cobrir o fundo. Quando quente (o azeite), refogam-se a cebola, o alho, a salsa e o louro. Assim que tomarem cor juntam-se os grelos e o vinho branco. Tapa-se e deixa-se cozinhar por cinco minutinhos em lume brando.
Adiciona-se o arroz e a água (quente), mexe-se, tempera-se de sal e deixa-se apurar até que o arroz fique bem cozido.
O António disse-nos que costuma acompanhar este guisadinho com uns joaquinzinhos ou um peixinho de espada frito. Nós concordamos.
... Os grelos de couve são reis. São, muito provavelmente, os últimos. Por ora. Mas não os últimos deste ano que lá para Novembro há mais. "Novembro? Mas ainda falta tanto..." Falta pois. Mas já vamos em Março, na décima primeira semana de cinquenta e duas. Passa a correr!
Em mais ou menos correrias o cabaz desta semana é apropriado para maratonistas: batata, cebola, cenoura, grelo de couve, nabo sem rama, maçã, kiwi e alface no médio. O grandalhão tem ainda espinafres, laranjas e ervas acrobáticas. Perdão. Aromáticas.
Os grelos, sejam de couve ou de nabo, são uma hortaliça que caiu em desuso no prato do comum português nos últimos anos. Fosse por força do seu peso na carteira, fosse por força do sabor (óbvio que grelos chocos – destes e d'outros – não sabem bem a ninguém), surgem agora, muito timidamente, nos pratos dos principais chefs e das nossas cozinheiras favoritas.
O Inverno é a altura de eleição destes meninos. De Novembro a Março eles andam perto, tanto uns como outros. Um dos nossos especialistas, o Sr. Daniel (na foto a atar um molhinho deles para uma encomenda) explicou-nos que os grelos são semeados em Setembro, “lá mais para o fim. Depois são colhidos até Março e para se criarem não precisam de pesticidas nem nada dessas coisas, pelo menos aqui para os lados do Bárrio.” São então três ou quatro meses do mais puro amor agrícola.
Perguntámos-lhe ainda: “Sr. Daniel e como é que gosta deles?” Respondeu-nos com um sorriso: “prefiro os grelos de nabo aos grelos de couve e, rapariga, não me perguntes porquê porque gostos não se discutem. Do melhorzinho que me podem por ao lado deles é batata cozida e bacalhau. Com azeite e alho!”.
Entretanto, enquanto conversávamos, apareceu o Sr. António Lopes, também produtor Dona Horta. “Grelos? Grelos? De nabo! E guisados!”. Bom, grelos de nabo guisados? “Como é que você faz isso, Sr. António?” Ele disse-nos e ficámos com água na boca.
[...] O emigrante de quem falo tem hoje setenta e dois anos, emigrou aos cinquenta e quatro, e andou com as sementes no bolso durante dezassete anos - à espera de um quintal para as semear. Se isto não é dramático, não sei onde será hoje possível encontrar o drama. Durante dezassete anos, as sementes esperaram pacientemente a sua hora, o quintal prometido, a terra fertilíssima. Entretanto, o nosso compatriota, cada vez mais cansado, cada vez mais velho, mas sempre esperançoso, percorria a Austrália de ponta a ponta, cruzava os desertos, rondava os portos de mar, penetrava nas grandes cidades, inquiria do preço dos terrenos, numa busca ansiosa. Aos marinheiros do Gama deu Camões a Ilha dos Amores e o Canto Nono; este viajante português do século XX declara-se feliz, realizado, pleno, quando, de metro em punho, com os pés na regueira fresca, bate o recorde da altura em couve e comunica o feito às agências de informação. Convenhamos, amigos, que só um coração empedernido se não deixaria mover a uma lágrima de enternecimento. [...]
José Saramago, «Elogio da Couve Portuguesa» in A Bagagem do Viajante